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sábado, 4 de julho de 2009

"Não quero que vejam os desastres do meu rosto"


Costanza Pascolato, um dos grandes nomes da moda do Brasil, lança um livro com histórias pessoais e revela como leva a vida de uma forma natural aos 69 anos. Sem plásticas nem maquiagem exagerada , ela recorre aos óculos escuros para esconder as olheiras em eventos da moda
Laura Lopes
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Costanza Pascolato nasceu Costanza Maria Teresa Ida Clotilde Giuseppina Pallavicini Pascolato para homenagear uma série de tias e as avós – a alta burguesia italiana da época costumava dar às crianças o mesmo nome dos familiares. De seu, só o Costanza, então inédito na família. Já na escola, a dificuldade para escrever os oito nomes a fez encurtá-lo. "Levava tanto tempo para escrever o meu nome na escola, que, quando os outros estavam no fim da história, eu ainda estava no começo", afirma, em tom de brincadeira. Prestes a fazer 70 anos (nasceu no dia 19 de setembro), lança Confidencial, segredos de moda, estilo e bem-viver (Editora Jaboticaba). Nele, dá dicas usando como exemplo as escolhas que fez ao longo da própria vida. Vaidosa ao extremo, já fez loucuras para se manter magra quando jovem e aproximar-se de suas referências, as divas do cinema clássico de Hollywood, como Ava Gardner. Hoje, pratica pilates e luta contra uma dor intensa na coluna, sequela de uma queda de cavalo. O rosto sustenta as marcas da idade. Quando decidiu fazer um lifting "light", foi parar no hospital, o que lhe rendeu uma meningite. Traumatizada, a crítica de moda não quer saber de se entregar ao bisturi, mas esconde o que pode dos fotógrafos usando óculos escuros e de grau. "Não quero que vejam os desastres do meu rosto", afirma, sobre ficar de óculos mesmo durante os desfiles da São Paulo Fashion Week.

No livro, ela ensina como ter estilo e elegância – falar palavrão, por exemplo, só dentro do carro ou em casa, sozinha. E, para começar bem um guarda-roupa, uma calça de alfaiataria, uma pashmina (espécie de xale), uma camisa branca básica e um sapato de qualidade. "Um bom sapato vale mais do que três não tão legais, ainda que bem mais em conta", diz. Confira, a seguir, a entrevista que ela concedeu por telefone a ÉPOCA, e algumas dicas do livro.


ÉPOCA – Você conta que a energia, o entusiasmo e a curiosidade sempre foram maiores do que o medo de ser julgada e rejeitada, o que foi inevitável em muitas ocasiões. Como foram essas rejeições?
Costanza Pascolato –
Estou com 69 ainda até 19 de setembro. Quando eu era pequena, estávamos há 60 anos, o que é muito, né? E era uma época em que as famílias, dos dois lados (pai e mãe), eram muito tradicionais e formais. Toda a alta burguesia do século XIX e XX tinha essas formalidades e eu tinha uma curiosidade muito grande em tudo o que era inspirador e artístico. Por exemplo, mesmo pequenininha, a gente ia ao museu. Os artistas que, na época ainda eram outsiders na sociedade, me atraíam porque a vida deles era toda atormentada, aventurosa... Eu já achava interessante, e tudo o que era maldito eu lia, aos 10, 12 anos. O que eu não queria era ser convencional. Mas eu não era rebelde, não fazia o contrário ou tinha um comportamento agressivo. Era uma questão de curiosidade e essa atração pela aventura, pelo romance revolucionário. Na verdade, eu tinha essa atração faltal pelas coisas, enquanto que minha família achava muito mais sadio ser obediente, me interessar pelo o que ensinavam na escola, que às vezes não me interessava nem um pouquinho. Eu era uma rebelde come quieto (risos).

ÉPOCA – Você conta que sempre foi muito bonita, que fotografava direitinho.
Costanza –
Aí é que está. Outro dia eu estava pensando que, na verdade, bonitinha eu era mesmo, muito. Mas eu sempre desconfiava um pouco, de fato. Será que sou mesmo tão bonita? Porque se mergulhar nessa coisa de achar que é bonita, aí que você dança. Tive um marido que dizia o seguinte: "Não tenha medo das mulheres bonitas. Sempre tenha medo das mulheres feias, porque elas são mais hábeis". A mulher bonita vai achar tudo fácil, a outra, não.

ÉPOCA – Você chegou a fotografar para moda?
Costanza –
Não, nunca. Achava que tinha nariz grande demais, que era desproporcional, que não era fotogênica, que não interessava a ninguém porque eu era muito mais tipo do que uma beleza dentro de um padrão da época.

ÉPOCA – Você diz que estilo é marca registrada e sugere um exercício: procurar imagens de pessoas cujos estilos você gosta para encontrar o seu próprio. Isso pode se tornar uma armadilha para quem não sabe diferenciar inspiração de cópia?
Costanza –
Hoje mesmo eu estava lendo uma matéria da Alexa Chung, superpersonalidade pop inglesa, muito estilosa. Ela se mudou para Nova York e é apresentadora da MTV. E Londres é lugar de gente de estilo, onde a juventude está sempre atrás de estilo; é uma tradição britânica. Ela é um ícone inglês e tem a Patti Smith (cantora americana) e outras mulheres nas quais elas se inspiram, que são ícones, como Jane Birkin (atriz e cantora inglesa)... Agora, veja se ela se parece com elas? Não. Mas o que ela tirou dessas pessoas? O fato de elas terem sempre vestido uma peça do namorado junto com um jeans. Ela misturou os estilos, sempre deixando um pezinho no tomboy, na coisa um pouco andrógena, que ficava melhor para ela. E saía da mesmice, senão seria mais uma menina engraçadinha. Ela compõe um estilo.
O perigoso, para as pessoas comuns, é fazer tudo de uma vez. Querer parecer alguma atriz da novela e colocar tudo o que ela põe. Você tem que se inspirar em alguns pedaços daquela moça, que dão um tipo de imagem, mas completa com uma coisa que é sua. Aí fica pessoal. Eu sempre adorei a Audrey Hepburn. Para mim, é um modelo até hoje. Mas nunca fui a Audrey Hepburn, faço o que tem que fazer com meu nariz, com minha cabeça e com meu corpo.

ÉPOCA – Por que você não usa jeans?
Constanza –
Quem disse que eu não uso jeans? Eu uso jeans preto, e daí? Eu tenho um modelo escuro, que uso quando saio de férias. E usava quando estava aquela modinha da Isabela Capeto, hippie chique – eu usava sem parar, era sempre o mesmo. Porque não tem que ter 200 jeans. Tem que ter um que fique bem para você. Ainda mais na minha idade: nada delata mais seu corpo do que o jeans – por mais que você seja magrinha ou malhada, você não tem mais a postura que você tinha antes. Percebi isso quando fiz 40 ou 50 anos, não me lembro mais. Eu usava jeans Fiorucci, daqueles que você tinha que deitar no chão para fechar, e numa certa hora aquilo não ficou mais legal. Então tive que olhar outro jeans.

ÉPOCA – E você tem um único jeans agora?
Constanza –
Tenho o mesmo modelo em três tamanhos. Porque um fica justo mesmo, mais curto e para os dias em que eu comi menos. Com vestido fica mais legal quando é mais curto e fica com aquela cara de legging sem ser legging. E para outro dia normal, em que você coloca debaixo do blaser, que é o médio. E um outro que é mais novinho, tamanho médio também, um pouco menos lavado e fica um pouco mais escuro. E mais escuro emagrece mais (risos).

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ÉPOCA
– Você reclama de suas pernas e dedos curtos. Estas não são características de pessoas baixinhas?
Constanza –
Eu não era considerada baixa na minha época, eu tinha 1,64 metro, usava salto e sempre parecia mais alta. Ninguém se incomodava muito com isso. Eu não era alta, mas magérrima, que eu era, e com um salto que não era nem tão alto quanto esses de hoje, nunca ninguém disse "ah, ela é baixa". E agora encolhi três centímetros (risos). Estou menor, inclusive eu encolhi toda.

ÉPOCA – Deixar o sutiã aparecendo é estiloso, elegante?
Constanza –
É moderno. E brasileira sabe fazer isso muito bem.

ÉPOCA – Por que você usa óculos escuros o dia todo dentro da Bienal, em ambientes escuros, como o da São Paulo Fashion Week?
Constanza –
Vou explicar para você... Evidentemente, se eu fico de manhã até a noite lá, aos 69... Primeiro, eu não enxergo; segundo, eu tenho fotofobia, e, muito importante, eu não quero que vejam minhas olheiras crescendo ao longo do dia. É mais estiloso do que óculos de grau – sem eles eu não consigo enxergar. E não consigo colocar lente porque tenho alergia.
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ÉPOCA
– Você diz que coloca os óculos para se proteger, mas acaba chamando mais atenção...
Constanza –
Você está falando, talvez sim, né....

ÉPOCA – Você diz que tem a intenção de se tornar invisível na multidão...
Constanza –
Eu nunca disse que queria me tornar invisível...

ÉPOCA – Está escrito no livro...*
Constanza –
Invisível não é possível que eu tenha falado. Eu não quero que me vejam, mas isso não é invisível. Eu não quero que vejam minha olheira. Um rosto aos 69, que fica o dia inteiro, da manhã até a noite, porque eu acordo às 6h, faço ginástica, vou para a fábrica (tecelagem Santaconstancia, da família), o que você acha que acontece com a cara? Se eu tivesse uma viseira do tamanho do meu rosto, eu colocaria, mas não para ser invisível, dito que as pessoas me notam em qualquer lugar. E nem porque eu estou querendo me esconder. Eu não quero que vejam os desastres do meu rosto, não é tão difícil de entender. Não é invisível.

ÉPOCA – Você diz "desastres" do seu rosto, mas tenta trabalhar a coisa da idade de uma forma natural, tanto que você não quer fazer plásticas...
Constanza –
Não quando eu estou na Fashion Week ou quando me fotografam. Se estiver de férias e for almoçar, eu não estarei de óculos escuros.

ÉPOCA – Você diz que é elegante ter um timing perfeito, que atrasos em reuniões e almoços não são legais. No caso dos desfiles, o quanto é educado atrasar? A primeira fila sempre chega em cima da hora, com exceção de você e outras poucas pessoas...
Constanza –
Acho que não é só isso. Às vezes essas pessoas estão trabalhando mesmo. A maioria tem que fechar isso, fazer aquilo, porque é pesado. Agora, não é educado atrasar, sobretudo em almoço. Eu acho pior quando a gente tem que esperar uma hora porque um canal vai entrar ao vivo no desfile. Isso só tem no Brasil.

ÉPOCA – Você valoriza a mistura criativa do produto de luxo com peças populares. Você faz isso ou só usa roupas de marca?
Constanza –
Eu faço e já fazia há muito tempo. Aliás, desde a época de vacas magras eu já comprava em lugares bem baratinhos, e era quase um desafio dizer "oba, eu consegui encontrar essa coisa aqui. Todo mundo está achando bacana". Era quase uma brincadeira.

ÉPOCA – O que acha de roupas de brechó?
Constanza –
Eu adoro. Não uso porque tenho uma coisa de energia (a energia do antigo dono, desconhecido). Mas às vezes eu compro para ter como referência. Tem coisas que são deslumbrantes e eu guardo.

ÉPOCA – E sair de cabelo molhado? Pode?
Constanza –
Eu nunca fiz isso. Acho lindo no Brasil, que faz calor e todo mundo se lava tanto.

ÉPOCA – E passar batom em público? Em todas as situações essa atitude é aceitável?
Constanza –
Dizem que não, eu não ligo. Mesmo porque eu tenho umas machas no lábio e, quando eu percebo que deve estar aparecendo, eu passo em qualquer lugar. Claro que não ostensivamente na cara de alguém que não está com vontade de me ver passando batom.

ÉPOCA – Conte um pouco sobre a época em que teve que lutar contra o câncer e caiu do cavalo.
Constanza –
Eu entrei em depressão profunda, em 1996. Câncer, em 93, e a queda, em 95. Sabe que eu não me lembro? Mas foi uma batalha, ficava muito fraca. Mas mais uma vez eu acho que fui privilegiada. Na editora onde trabalhava eu já comecei a ficar meio deprimida. Eu chorava enquanto eu fazia as fotos e dizia "não, não tenho nada. Está tudo bem, tudo bem". Eu fui privilegiada porque tive gente que não ficou impressionada com isso. Meu rendimento piorou, mas eventualmente eu consegui fazer o que tinha que fazer. Eu não queria mesmo ficar doente. A gente sai da doença se quer. Se não quer, a gente desiste. Tem gente que já desiste quando fica sabendo. Com as campanhas de saúde, eu descobri que tem mulher que fica sabendo (que tem câncer) e não faz mais nada, fica parada, não quer contar para o marido, tem medo que ele a abandone e vai ficando doente e morre. A questão é que se você tiver a sorte de descobrir logo, portanto é importante a prevenção, você tem que ajudar o médico, tem que se dispor. É uma intenção mesmo.
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ÉPOCA
– Você fala muito sobre a filosofia oriental, mas reza muito, seguindo os preceitos da Igreja Católica. Você costuma frequentar missas ou outras celebrações religiosas? Com o que você concorda e discorda da Igreja?
Constanza –
Por trás de todas as religiões existe a filosofia, o resto é ritualístico. Eu acompanho minha mãe na missa, mas sinceramente às vezes eu não sei se iria (sozinha). Eu me questiono sobre muita coisa, e acabei estudando filosofia, sem querer parecer pedante, para entender mais sobre o pensamento e algumas tradicões importantes e milenares. Eu acho que o catolicismo em si é interessante, mas não sei se a Igreja é a mesma coisa. A filosofia, que vem da judaica, e que tem coisas em comum com o Oriente... As religiões comparadas são muito interessantes. Eu não estou interessada no que a igreja diz, "faça isso, faça aquilo". Me interessa aqulio que eu acho que é a palavra ou o ritual, porque existe meditação cristã também, que nos leve a ter mais paz no coração. Que anule essa ansiedade que a gente vive nessa vida, que na verdade é a dúvida absoluta do que a gente está fazendo e como eu vou passar dessa para melhor. E já estou com 70, não tenho tanto tempo assim.

ÉPOCA – Você disse que abdicou do romance depois de certa idade. Quantos nos você tinha?
Agora eu não quero saber mais (de romance). Fui casada quatro vezes, você acha que alguém aguenta mais? A questão é que estou com 70 anos, eu me acho super bem do jeito que estou. Eu não tenho ansiedades de dizer "preciso de um companheiro, preciso de companhia para ir ao cinema, preciso de acasalamento a todo custo". Não tem isso. Eu acho ótimo quem vive bem com isso; eu duvido que dê certo. A menos que você assuma uma amizade profunda. A amizade é o que é o legal. Mas para você realmente ser feliz com alguém, você tem que assumir a outra pessoa totalmente e ela te assumir, incondicionalmente. E isso não existe na minha idade. A gente não tem paciência.

*Na página 117, Constanza escreve: "Mais recentemente, pediria ao gênio uma forma de ver sem ser vista, o que seria bem mais prático para exercitar minha curiosidade. Diante da impossibilidade de tornar-me invisível, óculos ajudam um pouquinho. (...) É uma espécie de defesa"



Dicas e pensamentos que estão no livro Confidencial, segredos de moda, estilo e bem-viver

- Como ouvi outro dia da designer francesa Andrée Putmann (…) “It’s wrong to be right” (é errado ser muito certinho).

- Tão fundamental quanto a elegância é o desejo de ter estilo. Para o escritor americano Gore Vidal, estilo é saber quem você é, o que quer dizer não dar a mínima para o resto.

- (estilo) É uma imagem, não uma moda.

- Nunca, portanto, tente copiar o estilo de alguém, imitá-lo literalmente. Estilo vem com certificado de autenticidade.

- “A roupa não leva a lugar nenhum. É a vida que você vive nela que leva” (Diana Vreeland, editora de moda)

- “O luxo tem de ser confortável, do contrário, não é luxo. As mulheres devem poder entrar num carro sem estourar as costuras. As roupas devem ter formas naturais” (Gabrielle Chanel)

- Misturar é o que há de mais genial em moda e estilo na nossa época.

- Peças curingas: camisa branca clássica, pashminas, jeans discreto e confortável, terno bem ajustado, vestido preto básico, calça de alfaiataria, suéter (ou “casaquinho”), um bom sapato de salto e uma joia que combine com seu estilo.

- Preto: se há um defeito, o preto esconde porque ele é feito de sombra. (…)Além de parecer mais bem-feito, o preto também sempre parece um pouco mais caro.

- A ideia de tudo combinadinho − colar igual a anel, igual a pulseira, igual a brinco − há muito já foi abolida, e o que vale é o gosto pessoal com bom senso para manter equilíbrio e conforto.

- Encontrar a postura correta, sentar-se ou caminhar tranquilamente, expressar-se com naturalidade, revelando concentração ou descontração através dos movimentos é uma possibilidade de ganhar mais segurança para viver.

- Nunca me vesti só por vestir, mas para fazer um depoimento, todos os dias.

- Com menos dinheiro, você realmente constrói um guarda-roupa porque sabe, primeiro, que só pode comprar o que vai usar. Segundo, por uma questão prática.

- Os que tentam negar a passagem do tempo viram “adultescentes”. São homens e mulheres conhecedores de tudo o que há de novo para trato pessoal e que alimentam com tecnologia de ponta o fascínio pela ideia de uma adolescência prolongada.

- Jamais mostro meus braços porque o prazo de validade da pele venceu. Há uns vinte anos mais ou menos.